23.7.14

Ensaios de um recomeço

Outro dia ouvi dizer que blogar estava fora de moda. Que a informação hoje era mais rápida, dinâmica, que ninguém tinha mais tempo pra ouvir devaneios. E quem quisesse e tivesse tempo, iria clicar nos links que ultrapassam os 140 caracteres do Twitter, ou os limites de mensagem do Facebook ou Tumblr. Eu mesma sou mega adepta do Instagram. Não canso de repetir: "A vida em imagens!" "E é muito mais dinâmica!". Pois bem que vejo que me enganei redondamente. Hoje em dia,  o blog está tendo o seu revivam. o pessoal não usa os blogs apenas como diários mas, como verdadeiras revistas de suas imagens, vida pessoal, bandeiras de pensamento, meio de ganhar um dinheiro, lifestyle etc e tal. pra alguns, virou até profissão! O caso é que essas pessoas, assim como eu, perceberam que não dá pra passar tudo numa imagem. 140 caracteres nada são quando se tem muita coisa boa(ou não) a dizer. Eu nem sei se tenho tanta coisa interessante pra dizer. Mas com certeza tenho muita vontade de ler. E talvez alguém também tenha interesse em ler o que eu digo.

De qualquer maneira, volto a blogar de maneira despretensiosa. Apenas pra voltar a ter um local onde divido meu cotidiano. Pra conseguir voltar a ter uma rotina. Pra tentar voltar aos tempos que eu considerava normal. Nem sei se alguém tem interesse em ler sobre a minha vida.

Eu passei por um "periodo de trevas" na minha vida. Alias, mais um. Sim, eu também passo por períodos difíceis. Quem vê de fora, ou até os amigos acham que tenho uma vida de sonhos. Sou uma princesa, que não passa por nenhum tipo de dificuldade pessoal, financeira, conjugal, emocional ou física. Pois bem, eu passo por dificuldades(como todas as pessoas) e assumo isso publicamente. Eu não tenho a vida perfeita, apenas faço o melhor da vida que tenho. E, nesses anos aprendi que não são todos que conseguem seguir essa filosofia de vida. E  confesso, que nos últimos meses nem eu mesma conseguia aplicar a teoria à prática.

Nao vou me estender e, contar todos os dramas da minha existência. Estou apenas seguindo os sábios conselhos de uma querida aluna que é psicoterapeuta. Ela disse que precisamos dividir experiências para colher experiências e somar mais existências. Não estamos sós e, nossas vivências podem ajudar alguma outra pessoa a sair do buraco negro. Bonito, né? Na prática, é uma meleca expor publicamente que vc está passando por dificuldades e que não consegue lidar com elas. Dá um mega ar de impotência, fracasso, de drama. E eu odeio um drama. Pois ela me convenceu o contrário. É preciso mostrar as pessoas experiências de sucesso, além da dificuldade. Pois vai lá: preparem-se: o post é longo.

Já fazia um tempão que sentia que eu não era a mesma pessoa de antigamente. Em todos os aspectos: o corpo não respondia mais como antigamente, milhares de mazelas foram aparecendo e, eu fui ignorando, tentando sozinha consertar o que eu nem sabia se estava quebrado ou não. Fui me tornando uma pessoa intolerante, intransigente, egocêntrica sem paciência com nada nem ninguém. Nunca tive uma rotina rígida, pois sou autônoma e, essa flexibilidade me possibilitava coisas infinitas. Como ocupar meu tempo da maneira que eu quisesse. E eu ocupava. Trabalho, estudos, treinos, amigos, vida social intensa, baladas mil...
E nisso fui ignorando todos os sinais que meu corpo e a vida estavam me mostrando. Achava que muitas coisas vinham da idade, das decepções emocionais, do amadurecimento. Me enganei.

Desde que comecei a correr em nível competitivo(não, não sou atleta de ponta, não tenho patrocínio, sou extremamente mediana e corro pq gosto!), a vida social começou a ficar limitada. Afinal, trabalhar, treinar, cuidar do marido, da casa e dos afazeres do cotidiano era demais pra mim. Alguma coisa tinha que deixar de ser prioridade. E balada não combina com levantar cedo pra correr. Mas eu tinha uma necessidade incrível de fazer tudo, estar em todos os lugares, agradar a todas as pessoas. Acabei limitando eventos e pessoas a minha vida, porque vivia ocupada. O que na realidade acontecia era que eu era extremamente desorganizada, não dividia bem meu tempo de treino, trabalho e principalmente descanso. Dedicava meu tempo de descanso com as coisas e as pessoas erradas.

Um belo dia meu corpo começou a enviar sinais. E eu ignorei. Vivia cansada, tinha problemas digestivos incríveis apesar de comer 85% do tempo saudável, o esporte não rendia. A vida pessoal um caos. A aparência horrorosa: nem roupas ou maquiagem caras salvavam. Mesmo assim, continuei no mesmo ritmo. Vamoquevamo era o lema e, um dia isso tudo passaria. Dormir era um luxo.

Até que o dia do acerto de contas chegou. E foi chegando lento mas progressivo e com forca avassaladora. Eu vivia cansada, sem animo pra nada. Acordava querendo voltar a dormir. Tinha dias de insônia intermináveis. Outros em que dormia 14 horas e acordava cansada. Nenhuma dieta dava resultado. Vivia num efeito sanfona. Eu que era a garota disposição, vi ela saindo correndo pela porta da frente. Vivia passando mal. Qualquer doença besta me pegava e virava algo grande, trabalhoso e de cura demorada. O inverno chegou e os problemas físicos apenas se agravaram. E com a escuridão, chegou a asma.
 Eu me vi asmática, a 7 anos atrás, quando descobri TODAS minhas alergias respiratórias. Tenho a famosa "febre do feno" ou "Heuschnupfen" em alemão ou "Hay fever" em inglês.   E só fui diagnosticada, pq tinha chegado ao extremos da crise de asma e, meu marido me obrigou a ir ao medico, pois até entao, eu achava que era uma gripe com tosse forte. Consegui controlar tudo e, comecei a fazer tratamentos preventivos para minimizar os efeitos da alergia na primavera/verao. Tudo sem muito sucesso.
Acontece que quando a asma voltou em meados de dezembro, ela veio com muita forca e principalmente durante meus treinos de corrida. Aí mexeu fundo. Eu não poderia deixar, que minha fonte de endorfina começasse a secar. Fui ao medico e, recomecei tratamentos, usar as bombinhas de asma diariamente, mais vezes ao dia, e o pior de tudo foi a tomar cortisona. Isso foi o principio do precipício.

Todos os sintomas se multiplicaram por 10 e, eu nao sabia o que fazer pra melhorar. Juntou a falta de sol e, eu me apaguei por completo. Ia ao medico e, ele me dizia que era normal, que ia passar logo. Mas não passou. Corria quando dava, do jeito que dava e se dava e apenas nos dias que não trabalhava. Fazer os dois no mesmo dia era tarefa impossível. Pensei em desistir de tudo que havia planejado, dos meus alunos, da vida normal. Queria dormir e acordar quando voltasse a esquentar. Chorava muito. Disfarçava na frente das pessoas. Fingia normalidade. Não conseguia pedir ajuda. Me tornei negativa, chata demais, tentei me isolar. Até o dia que não deu mais. Passei uma noite inteira em claro, pensando em no que minha vida tinha se tornado e o que ela seria dali pra frente. Chorei muito. E tomei uma decisão, eu procuraria até feiticeiro se fosse preciso pra fazer aquilo passar. Eu queria minha vida de volta. Passei com mais 2 médicos que não me ajudaram em nada. Um dia lendo um artigo na sala de espera do alergologista, li que acupuntura seria bom para asma. Lembrei-me da indicação  de uma medica chinesa por parte de duas alunas. Ela seria milagrosa com as agulhas. Depois de conseguir os números, entrei em contato com ela, que estava num congresso e, consegui uma consulta para a semana seguinte.

Foi o começo do periodo de luz alternado com trevas. Ela me conquistou na primeira consulta. Depois da anamnese e do esclarecimento financeiro(por ela ser especialista em medicina alternativa, o plano de saúde não cobre procedimentos e consultas), ela ouviu todas as minhas reclamações, perguntou todo meu histórico de saúde, todos os remédios e suplementos que eu tomava, anotou todos os tratamentos que eu tinha feito nos últimos anos. E foi, bem contundente: não faríamos acupuntura até ter mais detalhes da minha atual condição de saúde, repetiríamos todos os exames que eu já havia feito para descobrir minhas alergias, me mandou parar de tomar todo tipo de medicação(com exceção da bombinha de asma, que era vital nas minhas condições) e tratamento convencional. Até aí, foi a luz. Fizemos uma coleta de sangue e, ela me colocou numa dieta mega radical: nada de ovos, leites, castanhas ou alimentos picantes. E aqui começaram as trevas.
Tive uma dificuldade imensa em me adaptar a essa nova dieta. Ovos, leite e derivados, cereais com castanhas eram a base da minha dieta. Me vi em desespero. Estava tao cansada, que não consegui pensar em nada alternativo. eu não tinha disposição pra pesquisar, ler, olhar nada na internet. Foram 15 dias muito difíceis. Meu mantra era "sou uma mulher forte, vou passar por tudo isso!"

Saíram os resultados. Além de todas as alergias respiratórias, meus exames tinham acusado valores altíssimos de inflamação. Eu também tinha uma série de alergias alimentares. Mais 2 horas de consulta, com todos os porquês, questionamentos e explicações, saí com a recomendação de não comer mais os alimentos daquela lista por no mínimo 6 meses e tomar uma medicação pra ajudar meus intestinos e meu sistema imunológico voltar a funcionar. O período que ela previu, que meu corpo precisaria para se regenerar. E, se eu quisesse viver bem, nunca mais come-los. Foi o segundo choque. Nunca mais comer um iogurte grego com frutas e castanhas? E o pão de queijo? Aquele bolinho gostoso no café da tarde? E o pão nosso de cada dia? Pizza sem queijo? Surtei mais uma vez. Tive uma crise de choro. Gente, eu AMO comer. Comer é vida. Experimentar novos sabores, novas experiências culinárias... Eu só via privação na minha cabeça. Ela conversou comigo e foi categórica: eu poderia até ignorar tudo aquilo mas, ela não me imaginava correndo uma maratona, ou em melhores condições  físicas e psíquicas se eu não tentasse. Me esclareceu que meu corpo não funcionava bem. Que meu sistema imunológico estava muito ruim, que todos os meus problemas de saúde físicos e psíquicos: digestão, dores nas articulações, asma, ovários policisticos, desequilíbrios hormonais, meu cansaço  estavam relacionados com a minha dieta e estilo de vida. Arriscou a dizer que talvez daqui a uns anos eu desenvolvesse alguma doença auto-imune por conta disso.
Aquilo foi muito pesado pra mim. Demorei dias, semanas para digerir todas as informações e, conseguir aplica-las na minha vida. Mas estava decidida a encarar o desafio. Precisava tentar. Entoava meu mantra. Comecei a procurar ajuda. Primeiro foi o marido. Apesar de ser contra medicina alternativa, ele me apoiou incondicionalmente em todos os momentos: das consultas ao tratamento. Virou meu policial numero 1. Me deu muito apoio emocional. Aturou todas as minhas crises histéricas, meus choros, minhas reclamações. Depois procurei ajuda com minha família e minhas amigas. Algumas me apoiaram incondicionalmente. Me motivaram, me ajudaram a não desistir de tudo, me passaram receitas, informações valiosas, vieram aqui me ouvir e consolar. Outras me decepcionaram de uma maneira que eu não esperava. Por não ser nada convencional, soltaram  algo do tipo "isso é frescura", "saudades do Brasil", "artifícios para chamar a atenção", "pseudo doença" ou simplesmente me ignoraram e continuaram a viver suas vidas, como se eu não fosse uma amiga que estava passando por problemas e precisando muito da ajuda e do apoio delas. Vou contar que doeu demais da conta na época. Me senti traída, rejeitada, não digna de um momento de atenção e carinho.
Quando estamos com a saúde enfraquecida, nossa psique se enfraquece também e ficamos muito vulneráveis. Tive novamente uma recaída e, foi apenas com o apoio incondicional da minha família que consegui voltar a entender a vida. Procurei ajuda profissional. Uma nutricionista, uma boa medica, uma terapeuta.


Eu fui ao Brasil e, lá minha recuperação se acelerou: colo da mae e do pai, o carinho das tias e dos primos, os amigos, o sol, o mar, a despreocupação com tudo e todos. O compromisso de me preocupar apenas com a minha saúde. De me alimentar corretamente, de descansar o corpo, de regenerar a alma. Tudo isso me deu forcas para a nova etapa: uma dieta equilibrada e orientada, um diagnostico de inicio de depressão física(a moderna síndrome do burnout), conversas esclarecedoras para entender como deixei chegar nesse ponto. Tudo encaminhado para uma nova tentativa.

O caso é que tudo isso ja faz 6 meses. Vou recomeçar uma nova fase de tratamento. Vou passar novamente na medica, fazer uma nova bateria de exames. Na lista estão voltar a encontrar com a nutricionista, melhorar meus treinamentos, focar nos meus objetivos futuros.
Esses meses foram tempos de descoberta. Tive dias bons e outros muito ruins. Pesquisei a respeito, li muitas coisas interessantes, muitas bobagens. Intensivei meu contato com a oração.Conversei com pessoas incríveis e outras que nada me acrescentaram. Aprendi a lidar um pouco com a minha ansiedade e, fazer essa dieta restritiva não é mais um sacrifício. Sinto meu corpo responder às mudanças de hábitos alimentares e de estilo de vida. Trabalho menos, tento descansar mais, levo minha marmita para todos os lugares praticamente, ocupo meu tempo com coisas que me dao prazer e pessoas que gostam de mim e da minha companhia.  Estou retomando lenta e gradativamente minhas atividades antigas: os treinos na academia, os estudos, a organização da casa, os amigos esquecidos, a vida social...

Hoje consigo conversar a respeito dos meus problemas abertamente, sem me queixar. Muitas pessoas de contato pessoal próximo não sabem nem da metade disso tudo. Preferi me reorganizar internamente. Eu sinto que a normalidade volta a se restaurar e, as pecas voltam a se encaixar. Continuo entoando meu mantra, mesmo nos dias q sou tudo menos forte. Cada dia é um novo dia: bom ou ruim. Hoje aceito que tudo o que aconteceu são fatos que não posso mudar e, só posso tentar fazer o meu melhor para viver bem. Basicamente isso. Sem mais, nem menos. Ah, e porque que eu contei tudo isso só agora? Antes, eu estava chata, amarga, desmotivada, vivia com uma nuvem negra invisível sobre minha cabeça. Hoje a nuvem negra faz visitas esporádicas, a positividade voltou a tomar conta da maior parte dos dias e, talvez realmente minha querida aluna psicoterapeuta tenha razão: se alguém conseguir ler isso até o final e, estiver passando por qualquer tipo de dificuldade - não desanime! Procure ajuda! Pode ser que o primeiro negue mas, insista. O mundo está cheio de gente boa, de coração alegre e disposto a ajudar ou a te ouvir. Talvez não seja da maneira que vc queira mas, provavelmente da maneira que você precisa e ainda não sabe.  Nunca se canse de tentar!
Eu gostaria de deixar bem claro que tudo que eu passei foi uma boa lição. Não foi nada comparado a uma tragédia grega. Existem coisas piores e doenças muito mais graves por aí, que merecem destaque e muito mais atenção. Essas pessoas tem, com certeza, muito mais a falar do que eu.
Aqui para finalizar,  fica uma frase do querido Millôr Fernandes, que retrata muito bem a visão do ser humano e, que explica muito do comportamento humano: "Os meus problemas são sempre os piores. Só acontecem comigo!"




6 comentários:

  1. Prezada Ana Krueger, obrigada, muito obrigada pelo relato. Parabens pela coragem de se abrir. Vc Fez o que eu sempre tive dificuldade. Sei bem como eh o Periodo de trevas, eu o chamo de inverno. Parece que acabou, que Ta tudo morto, que näo ha vida. Mas ai o Paizao do ceu nos da a Chance de viver outra estacao, e ai chega a primavera. Creia, a Sua primavera ja chegou, voce esta se renovando, novas folhas, cores, Flores. Seu relato mostra que vc ja esta desabrochando!, E essa Ana da primavera Ta muito mais bonita, cheia de esperanca, de vontade de viver uma vida plena e de verdade do q a que ficou quietinha no inverno.
    Carregue seu tanque de emocoes com tudo o que te faz bem, assim vc podera Ter uma reserva extra pra os dias cinzas "de inverno".
    Feliz vida nova, sem arrependimentos, mas com o unico objetivo de ser feliz! Deus te ama muito e esse e so o comeco! Abraco apertado e demorado, Patricia ( Homburg-Saarland )
    Ps: vc deve estar se perguntando, quem e essa ai? Sou alguem q Le seu blog, mas por circunstancias da vida näo se abre de jeito nenhum. Bom, pelo menos ate agora...

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  2. Prezada Ana, obrigada pelo seu relato. É muito inspirador ver como uma pessoa, embora com tremendo esforço, consegue sair do seu buraco negro particular. Faz a gente pensar que também podemos. O que para você pode ser um desabafo, para outras pode ser inspiração e encorajamento. Grande abraço.

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  3. Fofa, vem cá dar um abraço!
    Conseguir encarar os efeitos nocivos da cortisona, apesar de fazer parte de um tratamento, é barra! Depressão é um dos piores.
    Eu estou na fase de reorganizar dieta e corpo e está difícil. Coloco na cabeça que vou fazer assim e assado e não faço. E, ó, vc e eu sabemos que isso é muuuito necessário. Mas, mais necessário ainda é fazer o que vc fez: Querer sair do buraco e conseguir!
    Beijos, minha linda!

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  4. Patricia, não sei se vc vai voltar aqui para ler mas, obrigada por vc ter se aberto desta vez.
    Obrigada pelo comentário e pelo abraço! Faz sempre muito bem pra alma!
    Beijos!

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  5. Olá Zulmira! Obrigada!
    Todos nós podemos, basta querer. Com as atitudes e as pessoas certas ao nosso lado, tudo volta a dar certo!
    Um grande abraço!!

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  6. Eve queridona!!! Eu quero muito esse abraço!
    Reorganizar, recomeçar, fazer as coisas voltarem a dar certo dão um trabalho, né? Mas vamos devagar e sempre, pq não é a velocidade q importa. O importante é não parar!
    Beijos!

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